Exposição coletiva Raul Brandão

Raul Brandão e o Encanto das ilhas: imagens e narrativas

A comemoração dos 100 anos da passagem de Raúl Brandão (1867-1930) pelos Açores é uma oportunidade única para refletir sobre o impacto duradouro dessa viagem na literatura e na cultura portuguesas. Em 1924, o escritor e jornalista visitou as ilhas num momento de descoberta e fascínio, que resultou na publicação, em 1926, da sua obra As Ilhas Desconhecidas, um dos mais belos testemunhos literários sobre o arquipélago. Nessa obra, Raul Brandão não se limita a descrever as paisagens ou a registar os factos históricos. O seu olhar é profundamente lírico e sensível, capturando a essência do arquipélago, revelando ao mundo a beleza e a singularidade das ilhas, de uma forma que transcende a simples crónica de viagem. Para o escritor e jornalista, os Açores são um território de contrastes, onde a beleza e a brutalidade coexistem de forma quase mágica. As ilhas aparecem-lhe como espaços misteriosos, envoltos em neblina, onde a natureza tem uma presença avassaladora. Os vulcões, as falésias abruptas, o mar infinito e as lagoas de águas tranquilas, são descritos com uma linguagem rica e evocativa, transformando a geografia numa espécie de cenário mítico. Raul Brandão vê as ilhas não apenas como espaços físicos, mas como paisagens interiores, onde se refletem os sentimentos humanos de solidão, melancolia e resistência. O seu olhar poético revela o desejo de capturar a essência intangível das ilhas açorianas — aquilo que não se vê, mas se sente. Ele procura nas paisagens, nas tradições e nas pessoas uma espécie de alma coletiva, uma identidade açoriana que é ao mesmo tempo marcada pela dureza da vida insular e pela beleza inigualável do arquipélago.

Em 2024, recordando o centenário da passagem de Raul Brandão pelos Açores, a Comissão Executiva da Rede de Museus e Coleções Visitáveis dos Açores (RMCVA), no seu Plano de Atividades, aprovado em plenário por unanimidade, entendeu privilegiar, como uma iniciativa única, um projeto expositivo digital comemorativo dessa viagem. Concebemos um projeto simples, rapidamente exequível e de custos inexpressivos, que favorecesse uma cooperação estratégica entre todos os participantes, em torno de uma visão global e coletiva, onde todos se empenhassem com um contributo individual para a construção de um objetivo comum, absolutamente específico: as Comemorações do Centenário da Viagem de Raul Brandão aos Açores (1924 – 2024). Assim, como as 9 ilhas dos Açores, cada uma com a sua identidade e características únicas, contribuem para a riqueza do arquipélago, o olhar e a proposta de cada membro da RMCVA, de forma equitativa, oferece o seu contributo individual para a construção de um objetivo comum, um projeto expositivo digital capaz de projetar a imagem, cultural e patrimonial, dos Açores, no plano regional, nacional e internacional. Tal como o oceano une as ilhas, é o esforço coletivo que dá forma ao arquipélago, onde a diversidade se transforma em força e unidade.

A todos os membros da Rede de Museus e Coleções Visitáveis dos Açores foi solicitada a seleção de uma fotografia, e a escolha de uma citação literal de As Ilhas Desconhecidas, que com ela se relacionasse, identificando-as com a ilha a que pertencem. A exposição virtual proposta proporciona uma viagem no tempo, na qual se estabelece uma relação causal, de afinidade geográfica, histórica, estética e poética entre as fotografias de paisagens açorianas e os excertos selecionados daquela obra literária. Cada ilha, com suas peculiaridades e a sua beleza ímpar, é retratada através de um olhar fotográfico inspirado nas palavras de Brandão, criando uma sinergia entre imagem e narrativa.

O projeto reúne os 17 membros da RMCVA, incluindo 14 museus e 3 coleções visitáveis. A uniformização e padronização do projeto, tendo em vista a conceção do design e do layout desta exposição digital, ficaram a cargo da Direção Regional da Cultura.

Esta exposição digital permite que habitantes, turistas e estudiosos possam explorar as paisagens descritas por Raul Brandão, ligadas por um tema comum e uma experiência museológica integrada, reforçando também o papel dos museus e das coleções visitáveis como guardiões da memória, lugares de conhecimento e plataformas de encontro entre o passado e o presente, entre a literatura e a imagem, entre o visitante e a essência profunda das ilhas.

Sílvia Fonseca e Sousa (membro da Comissão Executiva da RMCVA)